Aqueles que estão acompanhando as atualizações mensais sabem que o maior risco que eu possuo hoje com relação ao meu portfólio é o da "venezuelização" do Brasil, com um calote por parte do governo brasileiro na dívida pública interna para os detentores do Tesouro Direto.
Esse risco é real. Apesar das taxas declinantes, praticamente nada está sendo feito para corrigir a trajetória da dívida pública, notadamente os esforços para limitar os déficits, que são o principal fator para controle da dívida, junto com crescimento do PIB e valor da SELIC.
Projeções estimam a dívida pública bruta alcançando cerca de 90% do PIB já em 2020, em que mesmo com uma selic de 8% seriam em média 7,2% do PIB gastos anualmente só com os juros da dívida, num país sem nenhuma perspectiva de executar superavits primários significativos. O Teto dos Gastos é um belo engodo pois em 2020 os gastos obrigatórios já superarão o teto, levando o valor das despesas discricionárias ao campo negativo, o que é impossível.
Nesse cenário escroto o governo terá poucas coisas a fazer. Lula já deu a receita dele: aumentar o gasto público naquele velho desenvolvimentismo que afundou o país nessa década. Bolsonaro nada entende de economia, mas já deu vários sinais de medidas nacionalistas prejudiciais ao país e proteção às velhas mamatas do curral eleitoral dele dos militares, etc. O esquerdista social-democrata Dória parece a escolha menos pior, mas duvido que ele tenha bala na agulha pra diminuir de forma significativa os gastos públicos.
Uma alternativa real é o bom e velho aumento da base monetária (inflação), que dizimaria quem possuísse títulos atrelados à SELIC e principalmente os prefixados. Quem possuir NTNBs estará protegido, mas terá sua rentabilidade diminuída por conta do IR.
O cenário que realmente me afetaria, portanto, seria não um cenário inflacionário, mas num calote do governo em parte ou na totalidade da sua dívida interna. Tal cenário é sem dúvida catastrófico para o país, pois implicaria na falência de boa parte dos bancos, fundos de pensão, previdências privadas e até de empresas.
Usando termos financeiros, portanto, eu preciso diversificar meu risco soberano. Ações e principalmente imóveis seriam ativos melhores que renda fixa, mas ainda assim sofreriam violentamente como foram o caso da Venezuela e Grécia.
Felizmente, meus gastos hoje são uma pequena parte do meu portfólio (TSR de 1,6-1,7%), mas num cenário de calote do TD, com sua inevitável desvalorização que suponho em algo como 80% e calote de 100% dos meus títulos privados bem como falência do FGC, eu teria pouco mais de R$400.000,00 mais meus Bitcoins, que apesar de hoje valerem ~R$500.000,00 são um ativo com volatilidade extrema e sem nenhuma indicação de sustentar um portfólio, enfim teria R$900.000,00 para retiradas de R$6.000,00, o que dá uma TSR impossível de 8% a.a. Mesmo apertando os gastos, teria gastos mínimos de R$4.000,00 com uma TSR de 5,4% e uma qualidade de vida fracassada.
Não vejo sentindo, portanto, em continuar a investir um real de dinheiro novo no Brasil, pois esse dinheiro em nada mitiga o único risco que eu corro. A alternativa clara é investir no exterior. O mundo está se fodendo se o Brasil macacar e um dólar ou um iene continuará valendo o mesmo se o Brasil falir.
Vou colocar aqui de forma bem resumida qual será então minha estratégia para investimento no exterior.
O investimento internacional implica nos seguintes passos:
1 - Câmbio entre real e moeda estrangeira
2 - Envio da moeda estrangeira pra corretora
3 - Investimento de acordo com alocação de ativos
Passo 1: O Câmbio
Após uma análise bem longa, o método mais barato que encontrei foi a criação de conta no Banco do Brasil e posterior criação de conta do BBAmericas. O custo recorrente disso é R$0,00 numa conta de serviços essenciais do BB, U$15,00 para tarifa de manutenção mensal do BBAmericas e 0,38% de IOF + 0,5-0,7% de spread para a operação de câmbio. Com aportes de R$10.000,00 isso implica num custo mensal de ~R$150,00. A segunda alternativa seria envio direto via o site remessaonline.com com um custo de 1,8%, ou R$180,00 por mês. Quanto maior o valor investido, maior o benefício do BBAmericas. Como minha expectativa é investir cerca de R$20.000,00 por mês (R$10.000,00 dos cupons do TD e R$10.000,00 de dinheiro novo) a vantagem do BBAmericas fica óbvia.
A idéia também é deixar U$10.000,00 investidos num CD no BB Americas com o intuito de não pagar a tarifa mensal, que dá um yield de 3,55% que é maravilhoso pra algo sem risco em dólar. O custo ainda existirá na forma de custo de oportunidade desse dinheiro no TD.
Passo 2: Envio para a corretora.
A corretora com melhor custo benefício pela minha pesquisa é a Interactive Brokers (IB), com tarifa de manutenção mensal de U$10,00 que serve de consumação pra corretagens. Essa tarifa inclusive é anulada para clientes com valores acima de U$100.000,00, valor esse que pretendo alcançar o quanto antes. A transferência será feita gratuitamente via ACH da conta do BBAmericas para a IB.
Passo 3: O Investimento
Se essa parte estiver complexa para o leitor, favor tirar suas dúvidas nos comentários!
Como expliquei acima, o risco da venezuelização é real. No entanto, se você me perguntar qual a chance do Brasil dar calote na dívida interna para os detentores pessoa física do tesouro direto nos próximos 30 anos eu estimo em 5-10%. Ou seja, provavelmente esse dinheiro que eu vou investir eu nunca irei precisar. No entanto, se eu precisar é bom que ele esteja lá e que possua um mínimo de crescimento para suportar meus gastos. Diante da minha necessidade, vontade e capacidade de correr risco em moeda estrangeira, bem como a perspectiva de não precisar desse valor nas próximas décadas, estimei minha alocação de ativos em 80% em renda variável e 20% em renda fixa. A alocação em renda fixa é fundamental para consumo inicial dela em caso de queda nas ações justamente quando eu precisar dos valores.
Inicialmente, é totalmente óbvio que o pequeno investidor deve investir exclusivamente em fundos passivos. A evidência a favor do investimento passivo vs investimento ativo é gigantesca a tal ponto que não preciso ficar batendo no cachorro morto da atividade pela enésima vez.
Outro fator pra lá de óbvio é que, como NRA (Non Resident Alien), não faz nenhum sentido ter qualquer ação individual ou ETF que distribua dividendo, devido ao pesadíssimo imposto de 30% que os EUA retém na fonte nas distribuições. A solução é a compra de fundos europeus de acumulação (não existe fundo americano de acumulação por questões legais), que reinvestem os dividendos recebidos no próprio fundo, sem qualquer fato gerador de tributo por parte do investidor.
Além disso, um investimento global faz todo o sentido. Com as altas dos últimos anos, os EUA estão com valuation nas alturas, com um PL de 26 e CAPE de 30. Existe evidência de uma correlação moderada e invertida entre retornos futuros e CAPE/10 (cerca de 0.3-0,.4), portanto a perspectiva de retorno para os próximos 10-20 anos nos EUA é péssima. Diante disso faz sentido investir no mínimo pela capitalização global, em que pese os EUA sozinhos deterem ~50% de capitalização.
Por outro lado, os mercados emergentes, além de possuírem CAPEs mais baixos por serem inerentemente mais arriscados, tiveram retornos abismais nos últimos 10 anos, o que indica uma chance elevada de altos retornos para a próxima década. Seguindo puramente pela capitalização dos ativos, eu deveria portanto fazer um split de 70% Developed e 10% EM (Emerging Markets). Por conta puramente do valuation, irei fazer um pequeno tilt de 60% Developed e 20% EM.
Quem acompanha a literatura financeira internacional moderna (ninguém), verá que tem muita coisa escrita sobre Smart Beta, com a inclusão de outros fatores de risco além do tamanho e valor que já discuti aqui, como momentum, qualidade e baixa volatilidade. O prêmio anual, apesar da volatilidade, varia entre 3 a 5% a.a. para cada um desses fatores, com alguma variação de país pra país, efeitos pós publicação dos fatores, etc., conforme descrito magistralmente por Swedroe no livro Your Complete Guide to Factor-Based Investing lançado ano passado.
Diante da evidência massiva, persistente e mundial a favor da existência desses fatores, investir em fundos que tentem capturar esses fatores ou ao menos limitem a exposição negativa deles é desejável. (parando pra pensar, meu portfolio de ações em 2011-2012 por exemplo tinha um fator momentum negativo extremamente elevado).
Após uma longa pesquisa, o ETF que escolhi para investir os 60% em ações de países desenvolvidos foi o IFSW (iShares MSCI World Multifactor UCITS ETF). O ETF segue o index MSCI World Diversified Multiple-Factor Index, que investe em ações que possuam o máximo possível de 4 fatores: Tamanho, Valor, Momentum e Qualidade, com peso igual para cada um (25%). O lado negativo desse ETF é o custo extremamente elevado de 0,5% a.a. Ou seja, estou "pagando pra ver" que o retorno dos fatores vão me pagar acima de 0,5% a.a. frente a um fundo comum. A outra alternativa é o excelente SWDA, igualmente global e com custo de apenas 0,2% a.a., mas sem exposição aos fatores.
Para EM, a coisa se complica. Não existe nenhum fundo de acumulação multifatorial de acumulação. Temos o QEMM, mas distribui dividendos (facada do tio sam). Por outro lado, temos o EMMV, que é um ETF que investe em EM com load em ativos de baixa volatilidade, que cai como uma luva para o meu portfólio que sempre apreciará o mínimo de variância. O custo é elevado (0,4%), mas apenas 0,15% a.a. maior que o ETF mais barato (EIMI), com volatilidade 22% menor e, penso eu junto com toda a literatura sobre o tema, no mínimo a mesma expectativa de retorno.
Já os bonds são bem mais simples. Os fatores de riscos são amplamente conhecidos há decadas, e como procuro solidez não tem muito o que inventar. O ETF LQDA parece ideal pra isso, ao investir exclusivamente em bonds de empresas com investment grade com duração intermediária (8 anos) e um custo razoável (0.20% a.a.), com yield 3,25% a.a., o que dá um prêmio de risco por crédito de 1,2% a.a. e de prazo de 1,1% quando comparada a t-bill de 1 mês do governo americano que paga 1% a.a. Ou seja, prevendo uma inflação do dólar de 2% a.a. e sem mudança no yield terei um retorno real de 1% a.a., bem diferente dos 5% brutos que conseguimos trivialmente investindo em títulos do governo.
Vale notar que a expectativa de retorno de cada fator depende do load que o ETF possui em cada fator. O IFSW, por exemplo, possui apenas 0.07 em momentum e 0.27 em qualidade. Isso é normal, pois é impossível um único fundo possuir 100% dos loads e capturar o premium em sua totalidade que não seja o beta.
A idéia é aportar todo dinheiro novo nessa alocação de ativos (60% IFSW, 20% EMMV, 20% LQDA) até alcançar ~R$1.000.000,00, o que deve demorar um bom tempo. A depender do preço que o bitcoin chegar eu posso vender uma parte deles pra investir lá fora, bem como com o vencimento paulatino dos CDBs que possuo a depender da situação que esteja aqui e no exterior.
Essa é sem dúvida uma nova etapa no meu portfolio que vejo como um caminho natural dado o valor que alcancei, e espero ao longo dos anos poder colher bons frutos (e bons sonhos) desse investimento!